Ontem eu ouvi no rádio um programa muito interessante que falou sobre os testes que fazemos para detectar doenças como câncer. A mamografia e o teste PSA para câncer de próstata foram os principais alvos do programa, mas o que foi falado serve para qualquer teste desse tipo, principalmente os que detectam cancer. O programa é em inglês e quem quiser ouví-lo pode fazê-lo aqui. Tem duas partes das quais eu só ouvi a primeira por enquanto mas nela já tem muita coisa interessante e importante.
De uma certa forma eu considero o que foi dito como uma educação estatística que todos nós deveríamos ter. Eu vou colocar alguns pontos que achei interessante e importante, mas se vc não tem problema com a lingua inglesa recomendo ouví-lo.
1 - Overdiagnostic - Alguns testes são sensíveis ao ponto de detectar câncer que talvez nunca seria prejudicial para a pessoa. A invasão causada para retirada desse câncer vai causar um dano que é muito pior do que se vc deixasse o câncer lá. Por exemplo, um experimento mostrou que um grupo de mulheres submetidas a mamografia periodicamente a partir dos 40 anos teve vida média igual a outro grupo que usou procedimentos usuais. O grupo da mamografia teve muito mais canceres detectados mas ainda assim não sobreviveu mais. Alguns tipos de câncer poderiam ficar lá que ele cresce tão devagar que a pessoa vai certamente morrer de outra coisa.
2 - Falso Positivo - Praticamente todos os testes tem falso positivo (algumas vezes o resultado é positivo ainda que a pessoa não tenha a doença). A consequência disso pode ser um desgaste e estresse psicológico muito grande ou até procedimentos invasivos como uma biopsia em alguém
que não tem nada.
Os pontos 1 e 2 fazem com que, por exemplo, a mamografia não seja indicada (ou pelo menos seja controversa) para mulheres com menos de 50 anos. Para essas o exame pode causar mais mal do que bem.
3 - Experimentos Científicos - Praticamente o único jeito de se saber se um teste é realmente eficaz é atraves de um experimento científico aleatorizado. Você adota o screening teste para um grupo grande de pessoas escolhidas ao acaso e para outro grupo você adota o procedimento usual ou nenhum procedimento, dependendo do que vc quer que seja a base de comparação para o desempenho do teste. Então você acompanha os dois grupos pelo resto da vida deles e vê se o grupo que recebeu o teste viveu em média mais. É complicado dizer que um teste traz algum benefício se você não tem um experimento como esse. No caso do exame do PSA os experimentos ainda estão acontecendo e nenhum terminou.
4- Processos médicos - Os médicos geralmente são processados porque não encontraram um câncer que estava lá, mas eles geralmente não são processados porque encontraram um câncer que não existia. Com isso os médicos preferem aplicar o exame e correr o risco de um falso positivo do que não aplicar e correr o risco de não detectar uma doença existente. Isso incentiva o uso de testes para certas pessoas que são mais prejudicadas do que ajudadas pelo teste.
5 - Sobrevivência em cinco anos - Um dos resultados frequentemente reportados por experimentos é o percentual que sobrevive nos cinco anos seguintes a detecção da doença. Geralmente o % é muito maior quando a detecção é feita pelo screening test. Essa medida de performance tem dois problemas. a) Se o teste detecta a doença com antecedência mas a detecção antecipada não ajuda na sobrevida, o teste vai parecer melhor quando não é. Por exemplo, supôe o sujeito X que vai ter câncer. Sem o teste ele vai detectar o câncer aos 49 anos e morrer aos 50. Com o teste ele vai detectar aos 42 anos e morrer aos 50. O teste nao está realmente ajudando em nada, ele só está detectando antes. b) O falso positivo. O teste detecta a doença em pessoas que não a tem. Obviamente aquela pessoa vai viver muito, ela não tem a doença. Não estou dizendo que a) e b) são o que acontece, mas que eles são possibilidades não levadas em conta por esse tipo de medida de performance, que se beneficia disso.
6 - Forma de divulgar resultados de experimentos - Geralmente se diz que 2 pessoas em 1000 vão morrer de cancer do tipo X. Isso coloca nas pessoas um medo muito maior do que se dizer que 998 em 1000 não vão morrer do cancer X. Embora as duas formas dizem a mesma coisa geralmente se escolhe a forma que coloca mais medo na população, o que pode incentivar as pessoas a se submeterem a exames que podem trazer mais prejuízo do que benefício.
Geralmente de diz que o procedimento X reduz a mortalidade em 30% ao invés de se dizer que o procedimento reduz a mortalidade de 3 pessoas em 1000 para 2 pessoas em 1000. Os 30% dão idéia de um efeito muito maior do que o real. Pode ser que o procedimento mata 2 pessoas em 1000 enquanto salva uma.
Isso tudo não quer dizer que screening test é ruim, claro que não, ou pelo menos nem sempre. Mas que ele em geral não é inofensivo e precisamos ter informações para decidir se vamos passar pelo teste ao não. A decisão deveria ser nossa, com base em informações confiáveis. Eles disseram que a gente deveria sempre perguntar ao nosso médico se o teste tem experimento clínico aleatorizado quando o médico pede para a gente fazer esses testes. O entendimento da população sobre um assunto importante como esse é muito pequeno, ou nulo, ou, pior, errado. Errado no sentido de as vezes endeusar os testes quando eles tem os seus problemas, não raro, muitos e sérios problemas.
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