segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Fibrilação atrial e corrida de long distância

 Outro dia eu ouvi num podcast que corredores de longa distância tem 5 vezes mais chance de desenvolver fibrilação atrial do que a população em geral que não corre. 

A fibrilação atrial é um tipo de aritmia cardíaca, onde o átrio, que é a parte superior do coração fica fora de sincronia e bate rapidamente, o que é sentido como palpitações. Eu digo porque uns 10 anos atrás fui diagnosticado com essa condição, e era mais ou menos isso que sentia, com certa dificuldade de respirar. Naquele tempo eu liguei a condição imediatamente à corrida, ainda que sempre tinha ouvido falar que correr era bom para o coração e tal. Acho que a questão é que nós, corredores, sabemos que quando estamos numa corrida, tentando melhorar o nosso tempo e tal, o esforço que fazemos é grande, não parece saudável. Nesse sentido eu sempre digo para os pessoas que eles tem que fazer exercícios e tal, mas provavelmente não é necessário ser um corredor que se esforça para melhorar o tempo. O pior é que nos últimos 2 anos eu voltei a fazer isso... Só que eu não sinto mais palpitações nem nada.

Eu então dei uma olhada rápida na literatura, mas tem bastante artigos e precisa um bom tempo para olhar tudo, então foi só uma olhada rápida mesmo. 

Este forest plot ao lado é do artigo [1] e parece bem convincente, mas não gostei muito dele pois parece que tem muita diference entre os estudos. Mesmo assim tem vários artigos falando sobre essa association de exercício de alta resistência com fibrilação atrial, que eu concluí que a evidência é boa, ainda que eu não tenha ido a fundo em cada artigo. 
Outros artigos como [2] descrevem a condição, e aqui acho que há um ponto importante: o de que a fibrilação atrial em atletas não é igual a mesma que comumente se vê geralmente em pessoas mais de idade, e isso tem implicação em termos de consequências, riscos, como tratar, o que também foi algo que pensei 10 anos atrás, quando tive o diagnóstico: as coisas que via na interneta e ouvia dos médicos em relação aos possíveis tratamentos não era necessariamente uma boa idéia para mim e para atletas em geral. 

Acho que eu estava correto. A fibrilação atrial em atletas descrita em artigos como o [2] é algo diferente, bem diferente do que os médicos estão acostumados, e felizmente essa diferença parece que é para melhor, uma das evidências sendo que no meu caso a palpitação sumiu sem ser tratada. Mas há outras, como o fato de que acontece em pessoas mais novas, não é persistente (os simtomas aparecem e desaparecem minotos ou horas depois, não persiste), não é associada a fatores de risco comuns como obesidade, pessão alta. E tende a melhorar com a parada da prática de atividade física. Dado essas coisas é difícil pegar o que se sabe para a fibrilação atrial e aplicar aos atletas, como tratamentos e riscos (tipo, que a condição aumenta o risco de AVC). 

Enfim, acho que por enquanto a evidência parece robusta e praticar exercícios de alta duração e intensidade provavelmente deve ser evitado, principalmente para homens (existe menos evidência para mulheres), se o objetivo é saúde.  Acho que como tudo, vale o bom senso. Tipo, uma maratona já não é saudável. 10km, se você fica tentando quebrar o seu próprio record, também não é saudável. Agora, correr 10km devagar, ou andar, é mais razoável. O difícil é colocar em prática, tipo, quando uma meia maratona começa você já quer afundar o pé. E é interessante, que uma característica comum de atletas que são diagnosticados é que eles não querem diminuir a carga de exercícios....

[1] Abdulla, Jawdat, and Jens Rokkedal Nielsen. "Is the risk of atrial fibrillation higher in athletes than in the general population? A systematic review and meta-analysis." Europace 11, no. 9 (2009): 1156-1159.

[2] Sanchis-Gomar, Fabian, Carme Perez-Quilis, Giuseppe Lippi, Gianfranco Cervellin, Roman Leischik, Herbert Löllgen, Enrique Serrano-Ostáriz, and Alejandro Lucia. "Atrial fibrillation in highly trained endurance athletes—description of a syndrome." International journal of cardiology 226 (2017): 11-20.

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